Contos de um Arqueiro Auxiliar Romano - Parte 1

          As noites do gélido inverno gaulês o faziam tremer. Um frio nada superficial que diversas vezes sentira até mesmo nos ossos. Dores lancinantes de antigas juntas feridas em batalhas por espada, flecha ou pedra voltavam à tona naquele período ingrato do ano. Olhou outra vez para os pés, buscando algum conforto debaixo da pele de ovelha que roubara de um pastor em seu tempo na Hispânia.
        O tempo de servidão no exército romano não tardaria a encontrar seu fim. Logo poderia se entitular "Romano", assim como seu vizinho Falco fizera antes dele. Era bem verdade que Falco morrera um ano após receber sua recompensa, contudo esse único ano valera por uma vida inteira. Tinha certeza.
          Mas até lá, serviria ao General Gaius, onde quer que este estivesse.
          Uma pedra atirada por um legionário próxima a seus pés o despertou do transe.
          "Vá pegar água!" - ouviu o leginário ordenar. Levantou-se e pegou o balde de madeira perfurado por uma flecha que ainda jazia rachada em sua lateral. Os passos lentos comandados pelo frio incessante o carregaram ao lamaçal de um poço artesanal escavado às pressas. O balde baixou, encheu e subiu vazando pela rachadura. Gartus tapou-a com a ponta do indicador e correu às pressas de volta à segurança do acampamento apenas para em seguida ser enxotado como a um cão sarnento. Talvez até menos do que isso. Por vezes vira cães - mesmo os sarnentos - receberem ossos de refeições devoradas. Não ele, nem seus companheiros da Auxilia. Para os legionários, eles não eram nada.
            A trombeta de alarme soou.

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